CONTRACULTURA

El Webzine


[entrevistas]


SINTONIZE ESTA IDÉIA. CHEGA DE JABÁ !

Antes de qualquer coisa devo dizer que é um grande prazer estar escrevendo neste fanzine. O fanzine é a midia "oficial" dos movimentos sem espaço nas grandes redes de comunicação. Sou adepto das práticas amadoras porque acredito que sejam mais verdadeiras. Em geral, os profissionais não podem escolher a área para trabalharem e o fazem apenas visando lucros para sobrevivência. Sendo assim, prefiro acreditar nas palavras de Erik Satie: "O futuro é dos amadores, isto é, daqueles que amam o que fazem.". Bem, sendo eu um rádio aficcionado, poderia escrever páginas sobre o assunto, mas vou tentar resumir algo em poucas linhas.

O movimento de rádios livres, na verdade, já é um vovô. As primeiras iniciativas de gestão popular da radiodifusão surgiram em 1925. Em 1932 Bertolt Brecht, em seu texto "A radiodifusão como meio de comunicação", montou uma utopia que seria profética em relação ao fenômeno das rádios livres. Neste modelo, os aparelhos utilizados pela população não seriam apenas receptores, mas sim transceptores ( transmissor + receptor ), permitindo que esses, além de ouvir, também pudessem falar. Desta maneira, as estações perderiam sua função "monológica" e se converteriam num centro de troca de informações. Retomando essas idéias, Hans Magnus Enzensberger observa que se tal possibilidade não se realiza, isso se dá exclusivamente por interesses políticos. Para prevenir-se dos riscos de uma possível reversibilidade no domínio das mídias, as instâncias do poder contam com duas formas de controle: a institucional e a econômica. Na institucional as ondas radiofônicas são de propriedade do estado. Uma vez garantido o monopólio, através de uma legislação sustentada por um aparato repressivo, o estado pode explorar o meio de forma exclusiva, como era na Inglaterra (BBC- British Broadcasting Corpooration), França (ORTF- Office de Radiodiffusion-Télévision Française) e Itália (RAI- Radio-Televizione Italiana), antes da explosão das rádios livres. O poder estatal pode, ainda, conceder a utilização a grupos econômicos de sua confiança, como ocorre no Brasil atualmente. Porém, o estado brasileiro perdeu as rédeas e foi traído pelo seu próprio sistema. Quem dita as regras hoje, no Brasil, são as grandes redes de rádio e TV e o Estado está submetido a este controle.

Vamos, agora, esclarecer alguns detalhes acerca da terminologia construída ao longo da história da radiodifusão. Amigo, não confunda rádios piratas com rádios livres ou comunitárias. As rádios piratas (a Merkur, a Caroline e outras) nasceram no final da década de 50 na Inglaterra e eram financiadas por grandes grupos econômicos dos Estados Unidos interessados no mercado europeu; como a Ford, a Lever ou a American Tobacco. Levavam este nome porque transmitiam a partir de estações montadas em barcos estacionados fora das águas territoriais britânicas, como forma de burlar a tutela estatal. As rádios livres (a Milano Internazionale e a Emmanuel de Ancona) nasceram na Itália na primavera de 1975 e, nesta ocasião, ainda não tinham uma atuação cultural. Eram construídas por técnicos eletrônicos aficcionados em rádio (como este que lhe fala) que se converteriam em suporte técnico quando as rádios livres explodissem, logo a seguir. A Canale 96 de Milão, a Rádio Città Futura de Roma e a Rádio Bra Onde Rosse foram as pioneiras na idéia de rádio livre cultural. O princípio das rádios livres é exatamente a liberdade de expressão e em suas dependências a palavra "censura" não deve ser pronunciada em hipótese alguma. Já a rádio comunitária visa servir a uma comunidade. É nela que o clube de futebol amador da região convoca a população para o campeonato, o padre convoca sua paróquia para a procissão, o administrador regional informa sobre um problema que está sendo solucionado, o colégio chama para o festival de música e etc. O conceito de comunitária é tão abrangente que fica difícil dizer quando surgiu. Creio eu que as emissoras de rádio dos mineiros bolivianos, geridas e mantidas financeiramente por eles próprios, foram as primeiras a falarem para uma comunidade, em 1952. Os capítulos dessa história são muitos e fascinantes. Não cabe aqui entrarmos em detalhes.

Vamos falar um pouco de Brasil ! O movimento de rádios livres no Brasil nasceu por volta de 1983 e a cidade de Sorocaba foi o cenário principal. Desde então o movimento não parou mais de crescer e hoje são cerca de 5.000 rádios livres e comunitárias em todo o Brasil. Essas 5.000 rádios estão organizadas em cerca de 15 associações, sendo o Fórum Democracia na Comunicação a pioneira. Embora, por motivos óbvios, a mídia não divulgue, o movimento de rádios no Brasil sempre foi muito fervoroso e em 1996 foram apresentados cerca de 10 projetos de lei que visavam regulamentar a radiodifusão comunitária no país. O movimento brasileiro é mais conhecido no exterior do que aqui, tamanho é o controle que as grandes redes têm sobre a divulgação dos fatos. Atualmente o quadro é o seguinte : Um projeto substitutivo foi aprovado pela comissão de ciência e tecnologia, em Brasília, em novembro de 1996. Porém, este projeto é uma armadilha! Aliás, a história nos mostra que a arma mais traiçoeira que existe contra a radiodifusão livre é a sua institucionalização. O projeto em questão é EXTREMAMENTE parcial e visa fazer com que a radiodifusão comunitária exista estritamente na teoria. Ele prevê apenas uma freqüência para todas as emissoras, o que resultaria numa sintonia precária e inaudível, resultado da sobreposição de sinais. Desta forma, ouvir rádios comunitárias não se tornará um hábito da população. Será algo impraticável. As associações estão trabalhando para mudar este quadro mediante a inclusão de emendas no projeto, mas a resistência imposta pela ABERT (associação brasileira das emissoras de rádio e TV, que congrega as emissoras comerciais) é muito grande. Se você estiver em pé, sente-se para não cair e leia o que vem a seguir...

A BAIXARIA É COMPLETA

A ABERT iniciou, no final do mês de novembro de 1996, uma campanha fascista contra as rádios comunitárias, por ela chamadas de piratas. Nesta campanha, a ABERT se diz preocupada com as interferências que as rádios comunitárias, supostamente, causam nos sistemas de rádio em aviões, bombeiros, polícia e ambulâncias. O problema, meu amigo, é que essas interferências não existem e, portanto, a campanha é construída em cima de uma mentira deslavada. Por que a ABERT estaria preocupada com essas interferências, ainda que fossem verdadeiras? Seria a ABERT samaritana? A verdade é que as rádios comunitárias não derrubam aviões e nem interferem em ambulâncias. Elas derrubam a audiência das emissoras comerciais e interferem no poder de persuasão e em todo o esquemão de "jabá" dessas emissoras. Eis o porquê da campanha. Estarrecido com esta campanha, Reginaldo Kammariom ( presidente do IBRADEM, técnico e radioamador ligado ao movimento de rádios comunitárias ) resolveu provar que ela era mentirosa. O que fez ele ? Na sua condição de técnico, Kammariom possui um sofisticado laboratório capaz de medir e avaliar sinais de radiofrequência. Pois bem. Ele montou toda a parafernália e, após realizar várias medições, concluiu que a única interferência que existia, na faixa de onda utilizada pela aviação, era uma pequena interferência causada por uma rádio COMERCIAL. Isto é até mais lógico, já que as emissoras comerciais operam com potências até 3.000 vezes maiores do que a utilizada pelas comunitárias. Ele, então, solicitou a rede Globo que lhe enviasse um repórter para cobrir a matéria e mostrar ao público que a tal campanha era mentirosa. Marcelo Rezende (réporter da Globo) foi até o local e cobriu a matéria. O técnico provou ao repórter, por A + B, que a interferência era causada por uma rádio COMERCIAL. Muito bem. A fita foi levada aos estúdios da Globo, onde sofreu uma "pequena" edição. O resultado foi que a noite, no Jornal Nacional, a Globo exibiu a matéria ao contrário. As partes da filmagem aonde o técnico se referia as rádios COMERCIAIS foram cortadas e a matéria acusava as rádios comunitárias de estarem interferindo. Você pode estar surpreso, amigo. Confesso que isto não nos surpreendeu, pois já sabemos que a Globo tem uma grande experiência neste tipo de procedimento. Quem não se lembra da campanha DIRETAS JÁ, que levou centenas de milhares de pessoas a uma manifestação no centro de São Paulo, no aniversário da cidade ? No Jornal Nacional daquele dia, a Globo, apresentando as imagens, dizia que se tratava de uma enorme comemoração do aniversário da cidade. Foi daí que surgiu a já tradicional frase : "O povo não é bobo. Fora rede Globo!".

Amigo, as rádios comunitárias existem em todo o mundo. Nos EUA, por exemplo, elas são cerca de 6.000 emissoras e operam em 12 freqüências! Até na Colômbia elas já são uma realidade. Em lugar nenhum do planeta foi constatada alguma interferência causada por essas emissoras.

Digo mais. Se formos avaliar os princípios da radiodifusão pirata, concluiremos que as rádios COMERCIAIS é que são as verdadeira piratas e por isso insisto : "PIRATAS SÃO ELES. NÓS NÃO ESTAMOS ATRÁS DO OURO.". Se você ainda acha que um sistema de radiodifusão livre é utópico, peço-lhe que, pelo menos, medite sobre as razões por que seria utópico.

Acredite, a globalização conduzirá a regionalização. Apoie as rádios comunitárias.

Marcos de Oliveira
Coordenador da Rádio Atividade
e-mail : Mail: marcos.oliveira@br2001.com.br
Fórum Democracia na Comunicação -> Tel.: (011) 604-9394
IBRADEM -> email : ibradem@uol.com.br


Volver a CONTRACULTURA